segunda-feira, 24 de maio de 2010

O papel da inclusão digital no processo educativo

A Mitologia Grega legou para os tempos últimos o mito de Cadmo (GANDON, 2000 p.79), o qual narra que após aniquilar o dragão que massacrara seus amigos, Cadmo não hesitou em semear os dentes da fera, dos quais emergiram da terra homens armados deles.

Que tendo esses homens se insurgido contra Cadmo, a maioria matou-se uns aos outros, mediante o artifício utilizado por Cadmo de atirar pedras entre eles, mimetizando uma pseuda batalha. Quociente: restaram cinco homens que se tornaram amigos do nosso herói. Atribui-se a esse episódio a formação do alfabeto fonético, de modo que cada dente do dragão representava uma letra.

Sendo o alfabeto fonético uma tecnologia única (MCLUHAN, 1964 p. 102), significou o poder, a autoridade e o controle das estruturas militares, à distância, pois o alfabeto é a técnica que dispõe dos meios de criar o homem civilizado, indivíduos separados que são iguais perante uma lei escrita. Tanto que “quem escreve não só imprime algo em seu próprio interior, como também o exprime ao encontro do outro” (FLUSSER, 2010 p. 21).

Esse momento, em que a primeira grande tecnologia eclode no mundo na simultaneidade de causa e efeito, e que Vilém Flusser classifica como a passagem da pré-história para história, pela emergência da escrita, já estabelece o princípio da desigualdade [exclusão] entre os homens, sob a visada de um Rousseau. O analfabetismo que brota nesse instante não difere muito do de hoje. A diferença? Os sinais gráficos [caracteres] se transformam em bytes, pixels etc.

Já a fotografia vem demarcar a pós-história, na qual o pensamento linear cede espaço ao pensamento de superfície, através das imagens técnicas, mediações entre o homem e o mundo. Na seqüência veio o rádio e mais tarde a televisão com suas imagens eletrônicas.

O que todas essas tecnologias têm em comum? Ocorre que, com a explosão da invenção de uma nova tecnologia, o impacto é tão arrebatador que certa parcela da população se mantém inerte por conta de uma natural resiliência diante de um fenômeno histórico. Escrita... Imprensa... Fotografia... Televisão... Computador...

Essas tecnologias avançam à civilização deixando em seus rastros legiões de excluídos pelos mais inusitados interesses. Políticos... Sociais... Marginais... Não é a toa que indicadores sociais apontam ainda hoje um percentual de 10% de analfabetos com idade acima de 15 anos. Portanto, é uma quantidade altíssima de brasileiros que a curtíssimo prazo não poderão ser cooptados pela rede mundial de computadores, pois lhes falta a arma principal: a educação.

Por conseguinte, serviços sociais como agendamento de consultas em hospitais públicos, matrículas em escolas, previdência social, feitura de um boletim de ocorrência simples, como perda de documentos, furto de autos, desaparecimento de pessoas, estão disponibilizados na internet. Mesmo assim, com razoável oferta de Lans no mercado [mais os poucos tele-centros], a camada mais sensível da população não tem acesso. Às vezes, uma pessoa que teve o seu celular subtraído no interior de um trem leva de 2 a 3 horas para lavrar um B.O. numa delegacia.

Portanto, como promover o acesso às tecnologias de informação e comunicação à população brasileira carente espalhada num imenso território [grande parte não-codificada], fortuitamente inscrito por vales, montanhas, escarpas, matas selvagens e áreas alagadas?

A resposta a essas questões represa problemas sazonais, climáticos e econômicos, além da inépcia da sociedade colonial que nada fez no sentido de promover uma sociedade justa e solidária; pelo contrário: da colônia ficou a exploração, a indiferença, estupros e o horror do homem cordial que na visão de Sérgio Buarque de Holanda era movido pela paixão violenta. Portanto, cordial não passa de um eufemismo atenuante de um espírito agressivo e demonizante.

Assim, desde a colônia a marca do Brasil sempre fora a exclusão, diabólico instrumento catalisador da indiferença, do terror e da ignorância. Portanto, está aí a gênese que impede toda sorte de inclusão: alfabética, imagética, eletrônica e digital. São vícios estruturais que ninguém conserta.


Referências
FLUSSER, Vilém. A escrita - há futuro para a escrita? Tradução do alemão por Murilo Jardelino da Costa. São Paulo: Annablume, 2010.
GANDON, Odile. Deuses e heróis da mitologia grega e latina: tradução Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem: tradução Décio Pignatari.São Paulo: Cultrix.

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