terça-feira, 13 de julho de 2010

O papel da educação musical na melhoria do ambiente sonoro

O objetivo neste artigo é compartilhar com os professores da rede pública a idéia de que é possível desenvolver um trabalho educativo com estudantes adolescentes acerca do tema: som e espaço urbano, com escopo na qualidade da melhoria do meio ambiente sonoro pela via da conscientização estudantil de que hoje, mais do nunca, o som afeta o corpo de forma imediata e pregnante, mais do à imagem visual, considerando que a audição emerge do principio da multidirecionalidade.

Música e meio ambiente

A partir do principio de que os sons são produzidos através das vibrações nos corpos sonoros – nos centros urbanos caracterizados pelo fenômeno low-hi [baixa distinção das fontes sonoras] – com efeito, é possível chamá-los de agentes modificadores das sensações, de modo que o corpo em gestos defensivos se torna corolário disso.
Assim, quando somos afetados por combinações sonoras com maior pregnância musical o corpo reage de forma transcendental às sensações e as percepções do espaço. O Ethos muda e a sensação de acuidade de escuta se aguça, de modo que damos conta das mais sutis ocorrências melódicas. A paisagem sonora se modifica, como uma realidade circunscrita em padrões de hi-fi [alta distinção dos sons], como bem definira Murray Schafer.

Paisagem sonora hi-fi e low-fi

O mundo pós-moderno, que prospecta a idéia da construção conjunta [causa e efeito simultâneos] traduz as grandes cidades como invadidas constantemente por sons contínuos [low-hi] a afetar a nossa escuta e nossos corpos. Entretanto, com escopo nesse quadro, o compositor John Cage buscou estabelecer uma relação com o silêncio na prática musical.
É de sua invenção o piano preparado – adulteração dos sons pela alteração das características mecânicas do instrumento - utilizado como meio para demonstrar a sutileza de uma paisagem sonora hi-fi, onde sons e silêncios se intercalam promovendo uma nova ocorrência sonora. Segundo Cage, ainda, quando estamos viajando e por um instante saímos da estrada e paramos não tão longe dela, é possível ouvir os cantos dos pássaros, o vento ventando, mugido de animais, tudo com alta precisão e, paradoxalmente, tendo ao fundo a massa sonora sem definição, acontecendo na rota da rodovia.

O silêncio

Nesse contexto, resgatar o silêncio é menos o desprendimento da poluição sonora do mundo pós-moderno do que o gesto desacelerado, o contraponto da alta velocidade versus a escuta tátil perceptiva, densa de silêncio e esvaziamento, e importante na educação sensível de nossos corpos.

Com efeito, sob um austero planejamento por parte dos professores da rede pública, a música poderá ser entendida pelos adolescentes como a ferramenta que possibilitará a formação de um novo olhar sobre o planeta Terra, através da consciência de mútuo pertencimento: nós acontecendo a Terra e ela a nós, num constante exercício de vivência qualitativa.

Como não bastasse, a música transcende o mais refinado engenho produzido pelos homens, para fornecer ao corpo a possibilidade de transitar no espaço e no tempo, além da obtenção de informações com altas valências acerca de nosso ambiente sonoro, e que se nos apresenta ainda no plano da mera qualidade da existência, em dados brutos.

Algumas sugestões de atividades

Contudo, como levar esse saber aos jovens adolescentes?

Ora, essa pergunta represa algumas possibilidades. Dois são os caminhos possíveis: 1. Pela audição; 2. Pela criação.

Pela audição, podemos partir da escuta de músicas de diferentes culturas, através de CDs e, assim, promover o interesse pela música de vários continentes; pela audição de paisagens sonoras através de análises, escuta e estudos de sons de ambientes naturais e não-naturais; imitação dos sons da paisagem sonora através da voz ou instrumentos musicais etc.
Pela via da criação, podemos desenvolver os conceitos de hi-fi e low-fi mediante atividades que explorem relações entre som e silêncio; ou tocar conjuntamente com a paisagem sonora experimentando diversos espaços sonoros.

Portanto, ao invés de criar um conflito com toda a tecnologia criada pelo homem na modernidade e na pós-modernidade, é preciso integrá-la aos novos espaços de relação social. Que ambição maior oferecer aos jovens estudantes senão o sentimento de pertencimento ao planeta e zelar por ele? Somente a música faz isso.

Palavras- chave: música e meio ambiente, paisagem sonora hi-fi e low fi, silêncio percepção, corpo e escuta

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O papel da inclusão digital no processo educativo

A Mitologia Grega legou para os tempos últimos o mito de Cadmo (GANDON, 2000 p.79), o qual narra que após aniquilar o dragão que massacrara seus amigos, Cadmo não hesitou em semear os dentes da fera, dos quais emergiram da terra homens armados deles.

Que tendo esses homens se insurgido contra Cadmo, a maioria matou-se uns aos outros, mediante o artifício utilizado por Cadmo de atirar pedras entre eles, mimetizando uma pseuda batalha. Quociente: restaram cinco homens que se tornaram amigos do nosso herói. Atribui-se a esse episódio a formação do alfabeto fonético, de modo que cada dente do dragão representava uma letra.

Sendo o alfabeto fonético uma tecnologia única (MCLUHAN, 1964 p. 102), significou o poder, a autoridade e o controle das estruturas militares, à distância, pois o alfabeto é a técnica que dispõe dos meios de criar o homem civilizado, indivíduos separados que são iguais perante uma lei escrita. Tanto que “quem escreve não só imprime algo em seu próprio interior, como também o exprime ao encontro do outro” (FLUSSER, 2010 p. 21).

Esse momento, em que a primeira grande tecnologia eclode no mundo na simultaneidade de causa e efeito, e que Vilém Flusser classifica como a passagem da pré-história para história, pela emergência da escrita, já estabelece o princípio da desigualdade [exclusão] entre os homens, sob a visada de um Rousseau. O analfabetismo que brota nesse instante não difere muito do de hoje. A diferença? Os sinais gráficos [caracteres] se transformam em bytes, pixels etc.

Já a fotografia vem demarcar a pós-história, na qual o pensamento linear cede espaço ao pensamento de superfície, através das imagens técnicas, mediações entre o homem e o mundo. Na seqüência veio o rádio e mais tarde a televisão com suas imagens eletrônicas.

O que todas essas tecnologias têm em comum? Ocorre que, com a explosão da invenção de uma nova tecnologia, o impacto é tão arrebatador que certa parcela da população se mantém inerte por conta de uma natural resiliência diante de um fenômeno histórico. Escrita... Imprensa... Fotografia... Televisão... Computador...

Essas tecnologias avançam à civilização deixando em seus rastros legiões de excluídos pelos mais inusitados interesses. Políticos... Sociais... Marginais... Não é a toa que indicadores sociais apontam ainda hoje um percentual de 10% de analfabetos com idade acima de 15 anos. Portanto, é uma quantidade altíssima de brasileiros que a curtíssimo prazo não poderão ser cooptados pela rede mundial de computadores, pois lhes falta a arma principal: a educação.

Por conseguinte, serviços sociais como agendamento de consultas em hospitais públicos, matrículas em escolas, previdência social, feitura de um boletim de ocorrência simples, como perda de documentos, furto de autos, desaparecimento de pessoas, estão disponibilizados na internet. Mesmo assim, com razoável oferta de Lans no mercado [mais os poucos tele-centros], a camada mais sensível da população não tem acesso. Às vezes, uma pessoa que teve o seu celular subtraído no interior de um trem leva de 2 a 3 horas para lavrar um B.O. numa delegacia.

Portanto, como promover o acesso às tecnologias de informação e comunicação à população brasileira carente espalhada num imenso território [grande parte não-codificada], fortuitamente inscrito por vales, montanhas, escarpas, matas selvagens e áreas alagadas?

A resposta a essas questões represa problemas sazonais, climáticos e econômicos, além da inépcia da sociedade colonial que nada fez no sentido de promover uma sociedade justa e solidária; pelo contrário: da colônia ficou a exploração, a indiferença, estupros e o horror do homem cordial que na visão de Sérgio Buarque de Holanda era movido pela paixão violenta. Portanto, cordial não passa de um eufemismo atenuante de um espírito agressivo e demonizante.

Assim, desde a colônia a marca do Brasil sempre fora a exclusão, diabólico instrumento catalisador da indiferença, do terror e da ignorância. Portanto, está aí a gênese que impede toda sorte de inclusão: alfabética, imagética, eletrônica e digital. São vícios estruturais que ninguém conserta.


Referências
FLUSSER, Vilém. A escrita - há futuro para a escrita? Tradução do alemão por Murilo Jardelino da Costa. São Paulo: Annablume, 2010.
GANDON, Odile. Deuses e heróis da mitologia grega e latina: tradução Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem: tradução Décio Pignatari.São Paulo: Cultrix.

domingo, 23 de maio de 2010

Enfim, música nas escolas outra vez ! (resenha)

Em seu artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, com o título homônimo, em 22 de setembro de 2008, o maestro Júlio Medaglia, um dos principais expoentes de inconteste valência no cenário musical nacional, actante não só da música erudita, mas também da popular, à qual sempre esteve ligado através de movimentos de vanguada [Tropicália, Festivais de MPB etc.], declara que "é preciso abrir a mente dos jovens para muitas vivências sonoras e mostrar-lhes como é grande e colorido o mundo musical universal".

Para tanto, releu as pegadas sulcadas por Villa-Lobos na década de 1930, quando ele resolveu permanecer no Brasil para iniciar um projeto de ensino musical nas escolas, em detrimento a uma excelente carreira internacional que então se figurava. Justificava sua permanência nesta terra das palmeiras ao notar os primeiros indícios da incipiente marca da indústria cultural, que emergia por conta da chegada dos novíssimos meios eletrônicos: o rádio e a gravação de discos.

"O brasileiro deveria ser municiado de informações musicais sólidas - dizia Villa-Lobos - para não ficar refém de uma indústria cultural que se expande inversamente à medida que baixa o nível artístico do que produz, sob o frenético impulso do consuma e descarte".

Apoiado pelo governo Federal, o maestro Villa-Lobos fez uma longa viagem pelo Estado de São Paulo, com o intuito de divulgar o ensino de música de qualidade. A partir disso, o então secretário de Educação do rio, Anísio Teixeira, criou para Villa-Lobos a superintendência da Educação Musical e Artística. Em resposta às inúmeras concentrações corais que o maestro reunia nos principais estádios da época, o presidente Getúlio Vargas decretou a obrigatoriedade do ensino musical no país, instituindo a criação do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico para a formação de professores sob tutela do compositor.

Assim, o canto orfeônico prestou inestimáveis serviços à formação do cidadão brasileiro. O
Guia Prático, reunindo 137 canções folclóricas colhidas in loco pelo maestro fazia com que o Brasil acontecesse ao povo e vice-versa.

Entretanto, em 1972, vem o golpe certeiro, derradeiro e mortal na educação musical, momento em que o então Ministro da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho, baniu de vez o ensino de música das escolas brasileiras. Daí até nossos dias um interregno contemplando lentos longos anos alienou nossos jovens da essência da própria cultura, tornando-os fracos e curruptíveis a toda sorte de influências maléficas.

Não obstante, alarmada pelo grave quadro de baixo nível cultural dos nossos adolescentes, resolve então a Senadora Roseana Sarney apresentar um projeto alterando a Lei de diretrizes e Bases, de 1996, propondo novamente a obrigatoriedade do ensino musical nas escolas nos termos da Lei 11.769, de 2008, prontamente sancionada pelo presidente Lula.

Sob a visada do maestro Medaglia, resta agora a criação de um currículo eficaz e urgente no sentido de que se crie algo prático e compacto a ponto de um músico de formação razoável entrar numa sala de aula e exibir vídeos, CDs; fazer as crianças cantarem o Guia Prático, os hinos nacionais e tocar instrumentos simples.

Portanto, o artigo do Maestro Júlio Medaglia é bastante esclarecedor sobre o malefício causado durante muito tempo pela inexistência de uma ferramenta reflexiva de grande poder de ação entre os jovens brasileiros: a educação musical. Assim, o artigo é de leitura obrigatória menos aos educadores musicais do que ao grande público jovem, que necessita urgentemente compreender o que é cidadania.


Referências Bibliográficas:

MEDAGLIA, Júlio. Enfim, música nas escolas outra vez!
Jornal Folha de S. Paulo. São Paulo, 22 de set. 2008, Tendências / Debates, p. A3