domingo, 18 de outubro de 2020

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

domingo, 18 de março de 2018

Música na educação básica: por uma estética musical libertadora

Música na educação básica: por uma estética musical libertadora
Resumo. O Presente projeto de pesquisa tem como objetivo avaliar em que nível a educação musical pode levar a sociedade a galgar índices satisfatórios de desenvolvimento humano.  A pesquisa pretende verificar se “a exposição às imagens midiáticas durante a educação básica pode afetar a criança na formação da cidadania”. O estudo envolverá o levantamento de dados entre autores importantes com grande envolvimento na área da educação musical, no sentido de corroborar a validade da aula de música no contexto escolar. Para tanto, este trabalho estruturar-se-á metodologicamente através da revisão bibliográfica de tais autores, principalmente o educador Koellreutter com sua proposta de educação musical na preparação de um mundo realmente humano. Sendo a música na educação básica uma ambição que remete aos tempos de Villa-Lobos, na década de 1930, pretende-se mostrar nesta pesquisa que de lá pra cá, através da inovação tecnológica, os recursos mediáticos acabaram por dominar a cena da cultura brasileira, afeta ao processo de construção de uma consciência nacional em nossas crianças. Portanto, com este trabalho propomos a possibilidade do resgate da cultura nacional elegendo a música como ferramenta na educação básica para a construção de cidadãos fortes, incorruptíveis e irmanados na luta pelo bem comum.
Palavras-chave: Educação musical, Estética musical, Cidadania.
Introdução
Ao longo do curso de Licenciatura em Educação Musical  pude compreender, como grande ganho de aprendizagem, a revelação de que o curso não formara apenas licenciados em música, senão a constatação da construção de um olhar humanizado capaz de causar importantes transformações na vida social e política das pessoas através da ação da música.
Durante o percurso, a arte do compartilhar sempre estivera em foco, quer na troca de informações entre colegas, angustiados diante da alma vergada sob os desafios impostos pelo projeto político pedagógico do curso, quer pelos eventos sociais propostos por uma ou outra disciplina, a estabelecer uma aproximação entre a produção do conhecimento no campus universitário e a sociedade: em asilos, hospitais, escolas de educação básica e comunidades de jovens e adultos.   
Como educador musical, venho desenvolvendo um trabalho musical junto a um coro de adultos e terceira idade, no qual a faixa etária chega há 85 anos. Levo ao grupo desafios diversos, promovendo a interação social e a alavancagem de preceitos importantes sobre a vida. Felicidade, fatalidade, luto e todas as componentes da vida, que atuam diretamente no equilíbrio psicossomático da pessoa humana, são tratadas como fatos dessa mesma vida. Assim, enfatizo que a educação musical assume o papel norteador das paixões humanas, de modo que a sua prática consolida e enaltece nossas crenças nesta rápida e vulnerável existência terrena.
a.                  Relação professor aluno
Quanto à questão da prática do ensino de música, Del-Ben (2011), observa que, da mediação nas relações das pessoas com a música, consiste o ato de ensinar e aprender, papel fim do educador musical: promover aprendizagens musicais. Entretanto, a fruição do conteúdo a ser ensinado depende dos pontos extremos entre os quais se movimente: do professor ao aluno; ou como diria Koellreutter: buscar no aluno o que deve ser-lhe ensinado. Assim, cabe ao educador musical problematizar o eixo de conhecimento que ele deseja trabalhar com o aluno, considerando sua história de vida como destinatário, no sentido de que tal ensino lhe seja útil e perene: que sirva para a vida toda, como ferramenta de reflexão e de instalação no mundo, não apenas mais um conteúdo sem sentido, que vá se dissipar da memória do um aluno um mês depois (DEL-BEM 2011).
De acordo com Basabe e Colls (2000), ensinar pressupõe um canal de comunicação, além de demandar afetos: dedicação, zelo e cuidados múltiplos, que se traduzem em assistência incondicionada com escopo ao desenvolvimento humano e a criação de valores. Além da necessidade de diagnosticar as pendências cognitivas residentes principalmente em crianças em tenra idade, e de estrato social inferior, é necessário ainda criar estratégias para buscar respostas significativas de ensino para desencadearem um processo de aprendizagem plenamente eficaz. Portanto, ensinar demanda uma relação não apenas de alteridade, de total consciência com o outro, como também de simbiose, de modo que não seja possível aferir quem é mais beneficiado na relação de ensino-aprendizagem: educador ou aluno. (BASABE e COLLS, 2000, apud DEL-BEN).

  1. Parâmetros Curriculares Nacionais
De acordo Del-Ben (2011), o ensino musical pode ser conduzido por formas gerativas através de atividades ou eixos norteadores de cenários propícios ao acontecimento da aprendizagem. Tais ideias permeiam os Parâmetros Curriculares Nacionais. Nesse Documento, a área de Arte é constituída de quatro linguagens artísticas principais: Artes Visuais, Música, Teatro e dança.  Dentre tantos objetivos, figuram:
 “compreender a cidadania como participação social e política [...]: desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetivas, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção pessoal [...]; conhecer o próprio corpo e dele cuidar [...]; utilizar as diferentes linguagens – verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação”. (BRASIL. Secretaria de Educação de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC / SEF, 1998).
Portanto, para a construção de uma cidadania perene, sustentável e fortalecida, através da competente articulação social e política, compreendendo o sentido do fazer artístico: experiências de desenhar, cantar, dançar, filmar, vídeo-gravar, é conditio sine qua non que o aluno percorra caminhos de aprendizagem que propiciem conhecimentos específicos sobre a noção de pertencimento ao mundo. Assim, as autoras defendem um ensino musical não de maneira isolada, senão de forma catalisadora dos demais eixos artísticos. Para corroborar tal assertiva, relata uma experiência na qual há uma experiência envolvendo criação e interpretação de jingles, trilha sonora, arranjos, músicas do dia a dia e às referentes aos movimentos musicais atuais com os quais os jovens se identificam. (idem)
  1. Koellreuter e cultura
Neste cenário, aduz Koellreutter (1990), que o artista deverá cultivar os valores culturais de seu povo, selecionando-os sob o ponto de vista de sua validade universal, i.é, considerando o que de fato se constitui como definitivamente particular em sua maneira de viver, suas crenças, seus valores estéticos e éticos, suas manifestações folclóricas, religiosas e tudo o que venha agregar utilidade em seu processo de emancipação da natureza.
Com efeito, a totalidade dos esforços e empenhos dos homens, dos seus objetivos de vida, de suas necessidades e interesses sociais na direção de emancipar-se do seu estado natural e desenvolver instrumentos úteis que se tornem extensões de seus corpos, com escopo à produção da vida diária, através dos quais possam atingir suas finalidades existenciais: poder “enganar” a hostilidade da natureza domesticando-a em seu favor, Koellreutter denominou de cultura.   Daí o caráter revelador deste texto, pois ele não trata mais do Koellreutter da música contemporânea, nem o da Escola de Música da Bahia, nem do professor de nossos mestres, mas do pensador altruísta que entende que a educação musical é a ferramenta mestra para a instalação da nossa sociedade [a parte excluída] na atual ordem planetária.
  1. As imagens midiáticas  
De acordo com Mcluhan (1964), os meios de comunicação se dividem em quentes e frios. O rádio e o cinema são considerados como meios quentes, pois não deixam muita coisa a ser preenchida pela audiência, pois opera num plano de alta definição, tal como a fotografia, que se difere de uma caricatura, considerando sua resolução. Paradoxalmente, a TV, o telefone, a fala, são meios frios de comunicação, por resultarem em baixa definição. Entretanto, um meio frio como os caracteres escritos pode sofrer o artificial aquecimento pela intensificação da imprensa repetitiva e produzir a ilusão de uma mudança de significado de uma mensagem à luz de sua imagem (MCLUHAN, 1964, p 38-42).  
Segundo Flusser (2002), em sua estrutura, a imagem tem como resultante um resultado de síntese entre duas intencionalidades: a do emissor e a do receptor. Portanto, as imagens oferecem um espaço interpretativo: símbolos conotativos, sendo literalmente mediações entre a criança e o mundo, o qual ainda não lhe é acessível por completo em sua tenra idade, ou seja: na primeira infância. Assim, o mundo vai sendo vivenciado pela criança como um conjunto de cenas que processam a magicização da vida (FLUSSER, 2002, p. 8-9).
Entretanto, a observar hoje nossas crianças a crescer num cenário predominantemente propenso à pregnância do excesso da informação, quer nas TVs, rádios, quer nos veículos diversos informatizados como celulares, tablets, jogos violentos, uma indagação me é frequente: a exposição às imagens midiáticas durante a educação básica pode afetar a criança na formação da cidadania?

  1. Cidadania sustentável
Ora, mas que cidadania é esta de valor tão intrínseco e crucial para o desenvolvimento das crianças que precisa de blindagem ainda no período da escola básica? E qual o papel da educação musical neste lugar apenas e somente redutível à sala de aula?
Com efeito, as ideias que aproximam as crianças do conceito de cidadania sustentável impelem-nas a compreender “que suas ações repercutem e interferem na qualidade de vida de outras pessoas, na comunidade e no meio ambiente”. Trata-se ainda da assimilação de condutas éticas e morais que estimulem menos uma participação social e política com responsabilidade e perenidade do que “desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetivas, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção pessoal” (BRASIL, 1998).
Portanto, o papel da educação musical, em princípio, consiste em consolidar a sua obrigatoriedade na escola de educação básica, para que o professor de música, preparado e atualizado, possa fazer do espaço da sala de aula o lugar onde o debate possa fruir dialogicamente acerca da manutenção da vida, aunando alunos e educador.  
Dessa maneira, têm-se na música reflexiva na ação as melhores chances de projetar uma criança ao mundo adulto, carregada dos predicativos e afetos necessários à completude de um ser humano total, capaz de pensar, sentir, e compreender o comportamento humano na rota da construção do seu próprio destino, com ética, estética e alteridade. Assim, a educação musical como técnica de ensino humanizado pode catalisar aprendizagens significativas a partir das manifestações artísticas do cotidiano.  
Portanto, a música na educação básica é uma reivindicação que vem dos tempos do período militar, quando a música fora banida das escolas brasileiras e substituída pela disciplina de Educação Artística, abortando um processo de criação artística iniciado por Villa-Lobos na década de 1930.
De lá pra cá, através da inovação tecnológica, os recursos midiáticos acabaram por dominar a cena da cultura brasileira, promovendo atitudes “do compre e descarte”, período em que se desencadeou uma série de produções de baixo teor artístico voltadas para o entretenimento: filmes infantis, músicas, eletrodomésticos e brinquedos alheios às realidades de nossas crianças.
 Recentemente, participando de uma atividade de estágio supervisionado, na qual a professora propôs uma cantoria em sala de aula à luz dos programas de auditório de TV (palco – plateia), o repertório utilizado pelas crianças remetia às canções de letras monossilábicas ditadas pela indústria cultural e reproduzidas à exaustão não apenas pelo meio quente do rádio (adulterado) como pelo natural meio frio da TV. Contudo, a escola tem de ser sempre um meio de comunicação quente, para blindar a criança na educação básica de toda influência desnecessária. Portanto, com este trabalho propomos a possibilidade do resgate da cultura nacional elegendo a música educação básica como a ferramenta para a construção de cidadãos fortes, incorruptíveis e irmanados na luta pelo bem comum e a vida boa.
Desenvolvimento
Tendo como um dos objetivos avaliar em que nível a educação musical pode levar a sociedade a galgar índices satisfatórios de desenvolvimento humano através do ensino de música, este trabalho buscou respostas em meio a uma polifonia de vozes que ecoam os pensamentos de importantes educadores musicais num dialogismo que reflete as mais variadas tendências no âmbito desse debate, principalmente neste momento em que a obrigatoriedade do ensino de música está de volta às escolas por força da Lei 11.769/08.
Se hoje se fala da volta da obrigatoriedade do ensino de música nas escolas brasileiras, em contrapartida, há de se considerar a sua existência num certo período de tempo, seguida de uma descontinuidade: foi o que se deu durante o período militar. Então, extinto o ensino de música nas escolas, a presença dos meios de comunicação de massa, o rádio, a TV, veiculando mensagens pertinentes a indústria cultural, fizeram com que nossos alunos chegassem ao ensino médio deseducados, com baixo poder de concentração para absorverem aprendizagens, e sem consciência de si mesmo, bem como alheios à noção de pertencimento ao planeta.
Entretanto, espera-se que a educação musical assuma o papel de consolidar a obrigatoriedade na educação básica num primeiro plano, pois sem esta condição não haverá um ensino forte capaz de provocar as transformações que a sociedade necessita. Só assim, teremos a prerrogativa de fazer de nossos alunos cidadãos plenos.
Considerando o papel da educação musical como técnica de ensino, as discussões apontam para duas vertentes possíveis: o caminho recreativo, baseado na integração dos alunos em sala de aula, cuja sociabilidade se limita aos muros da escola, a exemplo da disciplina de educação física. A outra possibilidade é inspirada nas ideias do educador Koellreutter e tem um caráter sócio educativo, ou seja: além da aplicação das atividades recreativas, baseadas em vivências voltadas para a dança, ao movimento, às cantigas de rodas, ainda é possível inclinar o olhar das crianças para um mundo a ser humanizado pela música.
Além do educador Koellreutter, este estudo contou com as contribuições de autores como. Em Couto & Santos (2009), os quais apresentam uma revisão bibliográfica profunda sobre a validade da aula de música no contexto escolar. Foram também consideradas contribuições de autores com grande envolvimento na área de educação musical, tais como: Villa-Lobos, Fonterrada, Teca de Alencar de Brito, Luciana Marta Del-Bem, Cássia Virginia Coelho de Souza, dentre outros. Portanto, todos os autores encimados vêm ao encontro das ambições em utilizar a educação musical como uma ferramenta de revolução humana.
Considerações finais
Portanto, diante dos dados mostrados, nosso estudo aponta para uma estética libertadora que alude a um processo educativo baseado na intertextualidade, ligando tradição e modernidade, de modo que a comparação se mostra como a melhor metodologia para conscientizar o que for necessário. Nessa direção, afirma o Maestro Júlio Medaglia: É preciso abrir a mente dos jovens para muitas vivências sonoras e mostrar-lhes como é grande e colorido o mundo musical universal.
Análogo ao que ocorre no Brasil de hoje, também acontecia na Hungria antes de Kodály, de modo que o que se tocava nas cidades era distante da autêntica música húngara. Entretanto, Kodály e sua equipe percorreu o país até o mais longínquo rincão colhendo e registrando a verdadeira música húngara, tida como fonte de cultura e espelho da alma da Hungria moderna. No Brasil Villa-Lobos seguiu seus passos, pois ambicionava a libertação da pátria das influências maléficas que assolavam a cultura brasileira dos anos de 1930, através dos novos meios de comunicação: o rádio e a gravação de discos.
Ainda hoje, nos espaços de educação infantil, é comum as professoras aduzirem que as crianças estão perdendo a faculdade de concentração. Atribuem as causas ao convívio direto com pais, amiguinhos do mesmo nível social, todos influenciados pelas realidades coloridas das telas de TVs. Durante o período sem a obrigatoriedade nas escolas, a formação da criança das expectativas, considerando o avanço dos meios de comunicação.
Neste momento, em que pese à manutenção da vida e do planeta como um todo, mais importante que a própria presença do ensino de música nas escolas é de fato a consolidação da sua obrigatoriedade, de modo que as pesquisas de Villa-Lobos no campo da educação musical ainda se constituem num terreno fértil. Assim, estaríamos anos luz no futuro se conseguíssemos fazer as crianças cantarem o Guia Prático; conhecer os hinos nacionais e tocar instrumentos simples, talvez fabricados por eles próprios, baseados nas experiências do Método Orff (MEDAGLIA, 2008).   










Referências
ÁVILA,  Marli Batista. A obra pedagógica de Heitor Villa-Lobos: uma leitura de sua contribuição para a educação musical. Tese de Doutorado (ECA – USP), 2010.
BRASIL. Secretaria de Educação de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC / SEF, 1998.

CHOMSKY, Noam. Sobre a natureza e a linguagem. Trad. Marylene P. Michael. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

COUTO, Ana Carolina Nunes; SANTOS, Israel Rodrigues Souza. Por que vamos ensinar Música na escola? Reflexões sobre conceitos, funções e valores da Educação Musical escolar. Opus, Goiânia, v. 15 n. I, p 110-125, jun. 2009

DEL BEN, Luciana. Música na escola. Salto para o futuro – Educação Musical Escolar, Ano XXI, Boletim 8, Jun/2011., p. 24-33.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 8-9.

KOELLREUTTER, H. J. Educação musical no terceiro mundo: função, problemas e possibilidades. Caderno de Estudo – Educação Musical Nº 1 – Agosto de 1990.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Trad. De Décio Pignatari. São Paulo: Cultrix, 1964, p. 38-40.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez Editora, 12ª Ed, 2007 p. 32 – 37.

PAZ, Ermelinda A. Pedagogia musical brasileira no século XX: metodologias e tendências. Brasília (DF): Musimed, 2000.

QUEIROZ, Luiz Ricardo Silva; MARINHO, Vanildo Mousinho. Educação musical nas escolas de educação básica: caminhos possíveis para a atuação de professores não especialistas. Revista da Abem, Porto Alegre, V 17< 69-76, set. 2007.

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